Violência de gênero e política em Brazópolis

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Violência de gênero e política em Brazópolis

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Telma Patrícia de Moraes Santos

Na terça-feira, dia 09 de novembro de 2021, na Câmara Municipal de Brazópolis, foi apreciado o veto do poder executivo ao Projeto de Lei que criaria o Conselho Municipal da Mulher no município. Infelizmente, mais uma vez, as mulheres foram vítimas da violência de gênero, da violência política de gênero, vítimas do machismo estrutural que sempre as coloca em um sub lugar e as culpabiliza pelos problemas.

O projeto que criava o Conselho Municipal da Mulher recebeu algumas emendas buscando melhorar o texto base, emendas propostas pelas vereadoras Leilane de Almeida e Cidinha Bernardo sobre os artigos 1º, 2º e 3º.

O Artigo 1º que cria o Conselho, segundo a proposta das vereadoras, trazia um texto de complementação ao papel do mesmo, com a avaliação de políticas para as mulheres e a promoção da mulher no processo social, político, econômico e cultural. O Artigo 2º trazia a complementação das competências do Conselho como a proposição de projetos econômicos, social, político e cultural, o recebimento de denúncias e encaminhamento aos órgãos competentes e acompanhamento do cumprimento da legislação que assegura os direitos das mulheres. O Artigo 3º trazia a organização da composição do Conselho, com 4 representantes e suplentes engajados na causa em defesa dos direitos da mulher.

O veto do executivo composto de 16 páginas das quais 8 traziam justificativas sobre o direito ao veto, apresentaram nas 8 páginas seguintes algo que se quer crer como engano porque se não o for, trata-se de uma clara manobra que usa texto prolixos que distorcem completamente as propostas das vereadoras.

Vamos aos pontos.

O veto dizia que o caráter de um Conselho pode ser consultivo, normativo e deliberativo e não pode ter caráter executivo, “tendo em vista que a implementação das políticas públicas por ele propostas acontece por meio de protocolos específicos na esfera da administração municipal”. Dizia também que “a questão da política partidária deve se ater as situações de casos eleitorais não se misturando com políticas partidárias”.

Pergunta-se: em que momento se confunde o caráter deliberativo com papel executivo? Em que momento se apresentam propósitos partidários ao se colocar o papel do debate de políticas para as mulheres? Caríssimos membros do Executivo e Legislativo, a deliberação de um conselho se dá no papel de análise e decisão sobre a relevância dos projetos e políticas para a vida das mulheres na cidade, logicamente a implementação se dá a partir do poder Executivo! O papel de um Conselho é essencialmente político, é essencial debater as ações que impactem na vida de seus representados e representadas!

Do lado de fora da Câmara, mulheres são ignoradas em debate de projeto que tratava da criação de Conselho Municipal da Mulher, em Brazópolis

O veto ao artigo 2º não recebeu justificativas. Isso mesmo, vetado sem justificativa.

O veto ao artigo 3º, sobre a composição do Conselho por parte de uma sociedade civil “engajada” recebeu justificativas igualmente criativas pois trouxe uma literatura que repetia a importância da paridade e apontava que o projeto não a respeitava por usar a palavra “engajada”. Trouxe inclusive um recorte de decisão do TRF sobre a composição de um Conselho Municipal de Saúde no Maranhão. É de se imaginar que o texto não foi lido por quem o redigiu e nem pelas comissões que o avaliaram.

O julgamento citado na justificativa ao veto traz um caso em que se queria indicar representante do legislativo para um conselho de saúde e logicamente isso iria ferir a paridade indicada nas leis que o próprio trecho destacado traz! A lei do Estado do Maranhão citada, traz a indicação de representantes dos usuários (ou seja, sociedade civil) e indica as entidades da sociedade civil que podem apresentar conselheiros!!! Vejam, indica representantes engajados!!!

Engajamento é isso, engajamento é envolvimento, é relação com a causa que se pleiteia representar! Engajamento não é excludente.

O Executivo enviou um Projeto substitutivo uma vez que seus ‘vetos parciais’ excluíram o projeto anterior, por sua vez, sem “política” e sem “engajado”. Ocorre que isso não é coisa pequena, não é coisa que “não importa de quem seja o projeto o projeto desde que o Conselho exista”, é antes, uma clara violência de gênero e política feita com as vereadoras proponentes e com todas as mulheres do município.

Durante o correr da avaliação do veto para votação, várias foram as falas que quiseram colocar as vereadoras num lugar de disputa partidária, de ‘birra’ por parte das mesmas, de falta de diálogo, de exposição desnecessária aos munícipes! Atitudes que claramente caracterizam a violência a partir do machismo estrutural que subjuga a mulher, que a culpabiliza, muito parecido com as justificativas correntes nas quais o agressor na verdade foi motivado pela mulher, “mas ele agrediu porque ela…” (sem há um porquê).

As vereadoras seguiram todos os tramites para avaliação das emendas e após o veto apresentado não caberia outra ação por parte das mesmas que não buscar apoio para que fosse rejeitado. Mas elas foram acuadas, foram acusadas.
Partidária não seria a atuação do Conselho, partidária foi claramente a ação de vetar o artigo 1º, de criação do mesmo, para depois apresentar um projeto do Executivo com o mesmo propósito. Partidária foi a ação de convocar cargos comissionados para ocupar o espaço do plenário e não permitir que a Câmara fosse ocupada pelas mulheres que de fato tinham interesse social no Projeto – as mulheres que insistiram em entrar tiveram que ficar em pé no fundo do plenário e, logo após a aprovação do veto, mais da metade do ‘público’ que ocupava as cadeiras foram embora, dever cumprido.

A condução da sessão não contou com nenhuma intervenção e uso da Tribuna porque, segundo argumentado, não haveria espaço na agenda. Vejam, não havia espaço para o contraditório! A justificativa verbal também complementou “sairíamos muito tarde daqui”, oras, tarde para quem? Ah, houve também a presença de carro de polícia (registre-se: não é hábito) porque as mulheres, segundo fala corrente, fariam o ‘circo pegar fogo’.

Telma Santos, professora, diretora do Sinpro Minas, representante da CTB Minas e atual Presidenta do Conselho Estadual da Mulher, apresentou pedido de uso da Tribuna, teve o pedido negado e falou com as mulheres na porta da Câmara já que era a única forma possível de diálogo.

A votação por sua vez aconteceu de forma secreta e, dos 9 vereadores da casa, 3 votaram para rejeitar o veto, 2 para aprovar e 4 se abstiveram. O veto foi aprovado com apenas 2 votos na Casa. Leiam novamente: secreto, 4 abstenções e um veto desta ordem aprovado com apenas 2 votos!

E lógico, as vereadoras colocadas em lugar de silenciamento porque afinal o projeto vai existir, não é ‘como elas queriam’ mas vai existir! Violência política de gênero. As mulheres são sempre as descompensadas, as exageradas, mas calma, vai ter aqui uma coisinha para se acalmarem viu?!

Pergunta-se: a disputa política era das vereadoras mesmo? Qual o sentido de rejeitar um projeto, retirar duas palavras e apresentá-lo novamente sobre outra autoria? Disputa político partidária e violência política de gênero!

Pergunta-se: na prática qual a diferença para além da autoria? Este Conselho não poderá discutir políticas para as mulheres do município. Sim, não basta ‘dizer’ que é possível, cortaram isso da natureza e do propósito do Conselho.

Sua composição por parte da sociedade civil sai da objetividade de membras engajadas com a causa para a subjetividade de “interesse” abrindo margens inclusive para indicações que não sejam verdadeiramente da sociedade civil.

Fica aqui o total repúdio ao veto do executivo, à condução do legislativo.

Fica aqui o total repúdio à Violência de Gênero e Política sofrida pelas vereadoras Leilane e Cidinha, bem como todas as mulheres do município de Brazópolis.

Fica aqui o apoio incondicional à luta pelos direitos das mulheres!

 

Sobre a autora: Telma Patrícia de Moraes Santos, professora de Administração, Graduada em Administração de Empresas e Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional. Diretora do Sinprominas, Conselheira e atual presidenta do Conselho Estadual da Mulher.

Os artigos publicados em ‘Espaço Aberto’ não refletem, necessariamente, o ponto de vista do Rede Moinho 24.

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Consciência Negra: conheça o professor pouso-alegrense que tem 17 diplomas universitários

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Você já cursou uma faculdade? Duas, talvez? Está pensando em fazer uma pós-graduação? Se você é brasileiro e tem entre 25 e 34 anos, as chances de você responder não para todas essas perguntas é de 4 em 5, segundo o IBGE. Mas quais as chances de você dizer sim se for preto ou pardo? Considerando que esta parcela representa apenas um terço da população acadêmica, embora seja mais da metade da nação, as chances são ainda menores.

Mas em Pouso Alegre, o professor e mestre em Educação Luiz Carlos Silva da Cunha, fulmina as estatísticas e faz um contraponto histórico à desigualdade social e racial que assolam o país. Aos 59 anos, ele possui nada menos que 8 graduações, oito pós-graduações e um mestrado, 17 títulos ao todo.

Os números do professor pouso-alegrense fazem dele um dos maiores detentores de títulos acadêmicos do país. O recordista nacional, de acordo com o Ranking Brasil, é o professor universitário de Pelotas (RS), Leandro Moreira Maciel, que acumula 23 títulos.

Natural de São Paulo, Luiz Carlos é filho e neto de ferroviários. Não teve vida fácil, mas apostou na educação como forma de transformar sua realidade. Para ele, ela é capaz de transformar a vida de toda uma nação. “A educação sempre será o caminho para superar o racismo e a desigualdade e também para promover o desenvolvimento econômico e a justiça social”, defende.

Dia da Consciência Negra e a sina da população preta e parda no Brasil

O exemplo do professor Luiz Carlos entra para aquele rol de exceções que teimam em confirmar a regra. A herança escravocrata do Brasil converteu-se ao longo da história em sua maior chaga social. Primeiro, o país foi o último a aboli-la, há apenas 133 anos, depois converteu a liberdade dos escravos em uma exclusão social que atravessou gerações, estabelecendo a base de toda sua desigualdade social e econômica.

Dessa triste perspectiva nacional, os números socioeconômicos do IBGE denunciam com contundência a sina da população preta e parda no Brasil de ontem e de hoje.

Só para se ter ideia, entre as pessoas abaixo das linhas de pobreza, 70% eram de cor preta ou parda, segundo o instituto, com base na PNAD Contínua de 2019. O mesmo levantamento mostrou que pretos e pardos tinha maior taxa de desemprego, de informalidade e ganhavam menos que brancos.

Para muitos, uma forma de mudar esse quadro são as políticas públicas de acesso a educação de qualidade. Elas, porém, vieram apenas nos últimos anos, na forma de aumento dos investimentos públicos na educação básica e na democratização do acesso ao Ensino Superior, seja por meio de mecanismos indiretos ou pela criação de cotas destinadas a pretos e pardos.

Apesar disso, embora estudos demonstrem que a população negra nunca foi tão grande nas universidades, ainda está muito aquém de sua real representação na demografia nacional.

Para piorar, os retrocessos recentes de direitos sociais, demonstram que décadas de lutas podem ser perdidas em um curto espaço de tempo.

Por isso, hoje, no Dia da Consciência Negra, é salutar refletir que mesmo essa data é resultado de luta. Invocado no mesmo dia da morte de Zumbi dos Palmares, o 20 de novembro é reivindicado por movimentos negros desde a década de 1970, em oposição ao 13 de maio de 1988, data da abolição, celebrada como se a liberdade tivesse sido ‘concedida’ aos escravos, ignorando seu contexto de liberdade precária, que jogou todo um povo ao relento, além de apagar a resistência protagonizada por figuras como o próprio Zumbi dos Palmares.

A luta e a resistência continuam.

 

Sobre o autor: Adevanir Vaz é jornalista e editor do R24.

Os artigos publicados em ‘Espaço Aberto’ não refletem, necessariamente, o ponto de vista do Rede Moinho 24.

 


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