A Cimed vem de anos de fartura de investimentos que visam quase que triplicar sua produção e alçar a empresa ao topo das fabricantes nacionais de seu segmento. Nos últimos dias, porém, a farmacêutica provou que estava errado quem apostou que o céu era o limite para os seus planos. No melhor estilo Elon Musk, João Adibe, o presidente da companhia, anunciou o projeto ‘Cimed X’, uma ambiciosa iniciativa que integra um bloco de investimentos de R$ 300 milhões em desenvolvimento cujo movimento mais ousado é a pesquisa de medicamentos no espaço sideral.
Nas palavras de Adibe, a ideia é fazer da Cimed, hoje a terceira maior do país em unidades vendidas de medicamentos, uma empresa de saúde e tecnologia, dando uma amostra de até onde “a indústria brasileira pode chegar”. Na mira do empresário estão dois problemas que assombram a humanidade: um é pontual, o novo coronavírus, o outro é perene, a velhice.
Mas, afinal, por que resolver problemas de química e biologia exige colocar os planos da empresa literalmente em órbita? A resposta tem a ver com física, mas não é tão difícil de entender. Antes, porém, um pequeno recuo na história:
Não é de hoje que cientistas buscam a quase ausência de gravidade a bordo de espaçonaves siderais para testar processos químicos e biológicos. Historicamente, os primeiros experimentos nesse sentido tiveram um viés cruel. Eles se deram a partir de 1948, quando primeiro a extinta URSS e, depois, os EUA passaram a enviar animais em missões espaciais.
Lançados muitas vezes para a morte, os animais ajudaram a conceber a tecnologia capaz de enviar os [nem sempre] humanos terráqueos às bordas do infinito em segurança. Nesse ponto, os experimentos representavam também um dos primeiros atos da Guerra Fria, a disputa entre as duas potencias mundiais da época mimetizada na corrida espacial.
O grande marco dessa fase inicial foi o lançamento da cadela Laika. Em 3 de novembro de 1957, ela se tornou o primeiro ser vivo a ir ao espaço a bordo da Sputnik 2. Infelizmente, porém, a cachorrinha, incapaz de opinar sobre seu destino, acabou morrendo, provavelmente devido ao superaquecimento da cabine e ao stress da viagem.
Após as conquistas, primeiro do espaço, pela URSS em 1961, com Yuri Gagarin a bordo da Vostok 1, e da Lua pelos EUA, na Missão Apolo 11, em 1969, os experimentos científicos no espaço passaram a ser cada vez mais corriqueiros.
Mas por que, afinal, estudar e observar comportamentos químicos, físicos e biológicos no espaço?
Por que ele oferece condições de quase ausência de gravidade, a chamada microgravidade, além de outras condições extremas impossíveis de serem reproduzidas na superfície terrena. Tirar a gravidade da equação, por exemplo, significa observar um processo químico em condições ideais. “Permite observar e explorar fenômenos e processos em experimentos científicos e tecnológicos que seriam mascarados sob a influência da gravidade terrestre. A condução de experimentos num ambiente de microgravidade possibilita o melhor entendimento, e o posterior aperfeiçoamento na Terra, de processos físicos, químicos e biológicos”, ensina o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Um salto no enfrentamento à Covid-19 e um avanço no retardamento da velhice
Sob os ombros da história, o arrojo da companhia e o reaquecimento das viagens espaciais com entrada da iniciativa privada na exploração do cosmos, como o emblemático exemplo da Space X, do bilionário Elon Musk, o projeto ‘Cimed X’ inicia já em 21 dezembro. Ele se dará por meio de uma parceria com a empresa brasileira de logística espacial, a Airvantis, que será responsável pelo envio dos experimentos à bordo da Estação Espacial Internacional (ISS).
Os estudos vão mirar dois resultados. Na primeira etapa, a farmacêutica enviará ao espaço o grande vilão da atualidade, o SARS-CoV-2, que tanto horror trouxe sob a alcunha de ‘novo coronavírus’. A ideia é usar a microgravidade para revelar a estrutura anatômica do vírus, o que pode ser feito por meio da cristalização de proteínas, um dos efeitos conhecidos no espaço, experimento dominado pela indústria há mais de 20 anos. Se der certo, o conhecimento adquirido pode ajudar a desenvolver drogas capazes de inibir a multiplicação do vírus, talvez até apontando caminhos possíveis para futuras e previstas pandemias.
O segundo resultado perseguido pelas missões, desta vez aplicados a uma das áreas de maior interesse comercial da Cimed, será a absorção de vitaminas por leveduras. A ideia neste caso é simular o sistema digestivo humano. O mercado de vitaminas é um dos alvos preferenciais da farmacêutica, especialmente o voltado para a longevidade. Tanto assim, que um dos estudos dessa fase visam o combate aos radicais livres, ainda mais abundantes no espaço e um dos responsáveis pelo envelhecimento humano.
Os estudos vão contar com a coordenação do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), com organização supervisionada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
O CEO da Airvantis, Lucas Fonseca, explica que as condições extremas do espaço ajudam os cientistas em observações que seriam improváveis feitas da terra. “Você tem um estresse muito grande por conta da radiação e da microgravidade. Então, os genes se expressam de forma estressada no espaço e, muitas vezes, sinalizam coisas que você não conseguiria enxergar na Terra”.
Para Adibe e Patrícia Lazzarotto, representante do comitê científico do projeto, a qualidade dos dados experimentais na órbita espacial é outra vantagem capaz de acelerar resultados. “A principal vantagem dos testes realizados em ambiente de microgravidade é melhorar a qualidade dos dados experimentais”, apontam.
Números e simbolismo da empreitada
A Cimed reservou um caixa de R$ 300 milhões para pesquisa e desenvolvimento, a serem aplicados ao longo dos próximos cinco anos. Daí sairá os recursos para a incursão espacial. Além das cifras cósmicas, o movimento faz história. A companhia será a primeira da América Latina a empreender pesquisas com fármacos a bordo da ISS.
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